Juventude Batista


jornal batistaO que o jovem pensa da igreja? Você sabe?

FÁBIO AGUIAR LISBOA *

Editor de OJB

Um dos grandes desafios dos batistas brasileiros no atual momento é o trabalho com a juventude. É comum ouvir pastores relatando a dificuldade de envolver as novas gerações na igreja. Esta é uma realidade preocupante, principalmente quando se pensa na renovação da liderança da denominação. Infelizmente, não é exceção encontrar igrejas nas quais os postos de comando sejam apenas ocupados por indivíduos de idade mais avançada, sem uma participação ativa dos membros mais novos.

Geralmente, quando se pensa nesta questão a discussão gira em torno da necessidade, ou não, de a igreja se adequar no campo estético – entenda-se   aqui aspectos litúrgicos e de costumes – às demandas das novas gerações.

Entretanto, uma pesquisa sobre a religiosidade do jovem brasileiro elaborada pelo instituto alemão Bertelsmann Stifung dá indícios de que esta discussão não está sendo feita no nível correto, pois a igreja não deveria estar tão preocupada com sua forma, mas sim com o seu conteúdo, uma vez que o mesmo, muitas vezes, não tem sido relevante para a juventude.

A primeira informação retirada desta pesquisa – que foi realizada em 2007 com 1.000 pessoas com mais de 18 anos das cidades do Rio de Janeiro, de Belo Horizonte, de Curitiba, de Porto Alegre, de Salvador, de Recife, de Fortaleza e de Belém –  é que o jovem brasileiro é o terceiro mais religioso do mundo (quando se fala em religiosidade aqui não se está limitando apenas ao cristianismo evangélico), ficando atrás apenas dos nigerianos e dos guatemaltecos.

Porém, o trabalho do Bertelsmann Stifung também evidencia uma situação que é, no mínimo, inquietante: apesar de 95% dos brasileiros de 18 e 29 anos se dizerem religiosos e 65% afirmarem que são profundamente religiosos, apenas 35% disseram viver de acordo com os preceitos religiosos.

Este diagnóstico parece indicar que a juventude atual, ao contrário do que muitos afirmam, está muito desejosa de uma experiência com o divino. Porém, este mesmo grupo não considera tão importante uma filiação religiosa, ou a uma igreja.

E no universo batista, como se dá esta relação da igreja com a juventude? Com este questionamento em mente, OJB conversou com alguns jovens e líderes de jovens batistas do Brasil.

Visão sobre a igreja

Algo que logo fica claro quando se conversa com os jovens batistas é que os mesmos veem a igreja como algo importante em sua experiência de fé. Segundo Rosângela da Silva, de 24 anos e que mora no Rio Grande do Sul, a igreja tem um papel singular na experiência de fé do cristão, pois ela o “ajuda a seguir o caminho de Jesus”.

Opinião semelhante tem Raiza Moraes, de 19 anos e que é do Pará: “A igreja sempre foi fundamental para meu crescimento espiritual, pois lá eu obtenho ensinos verdadeiros a respeito de Deus, lá algumas sementes são plantadas para que eu as cultive na minha relação pessoal com Deus”.

Entretanto, nas entrevistas realizadas também foi possível constatar outra percepção com relação à igreja. Segundo alguns jovens, em inúmeras oportunidades esta instituição peca por nem sempre estar aberta para trabalhar questões que são fundamentais para o dia-a-dia deles.

Na opinião de Daniela Kommers, de 31 anos e que mora no Rio Grande do Sul, muitas igrejas ainda não oferecem “estudos e espaços para preparar e desenvolver os jovens para enfrentarem a realidade do ambiente de estudo, do trabalho e da sociedade na qual eles convivem hoje”. Segundo ela, “mais importante do que a igreja dar respostas prontas é preparar os jovens no conhecimento da Palavra, nos valores propostos por Deus, o que realmente é uma vida dentro daquilo que Deus propôs”.

Quem também não vê a igreja tão voltada para os dilemas do dia-a-dia dos jovens é Francisco José Gomes, de 23 anos e que mora no Pará. Na realidade em que vive, ele afirma que são poucas as igrejas que se preocupam de forma profunda com esta questão: “Isto talvez aconteça porque ainda há uma distância no relacionamento da igreja com as novas gerações”.

No entanto, muitos são os jovens que creem que a igreja tem o potencial de ser mais significativa na vida das novas gerações, como é o caso de Rodolfo Dhein, de 27 anos e que mora no Rio Grande do Sul: “Creio que a igreja tem a ferramenta para isto, que é a Bíblia e o exemplo de Cristo. Vou além: se a igreja vivesse tudo que a Bíblia instrui e com um relacionamento integral com Deus, ela seria a resposta para todos os problemas enfrentados pelas pessoas. Eu acredito que ela foi criada para ser uma resposta de Deus para os problemas da humanidade. O que atrapalha isto é o pecado e as distorções de entendimento quanto a sua função e motivo de existir”.

Valorização de um Deus pessoal

Em contraponto a esta visão crítica com relação à igreja, o jovem atual tende a valorizar muito uma relação pessoal com Deus. A pesquisa do Bertelsmann Stifung salienta esta tendência ao verificar que 71% dos jovens brasileiros concordam totalmente com a afirmação de que há um Deus que se preocupa com cada ser humano de forma pessoal.

Para Raiza, este relacionamento é motivado pelo desejo de encontrar as respostas para os desafios diários: “Eu acredito que os maiores dilemas dos jovens hoje são encontrar paz, felicidade, segurança, cuidado, amor e o propósito de sua existência. No entanto, os jovens querem encontrar a ‘coisa’ errada no lugar errado, ou seja, buscam uma falsa paz nas drogas, querem achar uma falsa felicidade em riquezas, e por aí vai. É um ciclo vicioso. Por outro lado, o jovem cristão tem em sua fé a plenitude de todas as coisas. A partir do aperfeiçoamento da sua relação com Deus todos esses dilemas têm fim, pois têm em Deus a paz verdadeira e a alegria eterna”.

A partir da visão crítica com relação à igreja e a valorização de um Deus pessoal, torna-se cada vez mais comum a percepção de que a vinculação a uma igreja, apesar de ser algo desejável, não é algo necessário.

Este é o caso da carioca Talita Maia, de 21 anos, que, apesar de ter sido criada em uma igreja batista e participar de algumas atividades dela, não se vincula mais a uma denominação evangélica específica. “A igreja somos nós, não é uma instituição. Pode vir a se organizar desta forma. Entretanto, não é esse o foco. Não é isso que é a igreja. A instituição é um meio para a igreja agir, tornando o corpo maior”, declara.

Opinião semelhante tem a gaúcha Rosângela, que diz que é possível uma experiência saudável de fé fora do âmbito da igreja: “A igreja é uma ferramenta para poder fortalecer a nossa fé, tanto quanto a comunhão com nossos irmãos em Cristo Jesus. Porém, a igreja não pode ser o nosso alicerce de fé, mas sim Deus, através de seu filho Cristo Jesus, que é o Senhor e Salvador de nossas vidas. Ele sim é o nosso alicerce e assim podemos presenciar o seu agir em nossas vidas, através do seu Espírito Santo. Um exemplo que lembro em relação a esta pergunta é um comentário que escutei no meu pequeno grupo. ‘Imagina se derrubassem todas as igrejas? Ninguém mais teria fé? Ninguém mais acreditaria que Deus existe?’”.

Futuro dos batistas

Em meio a tantos questionamentos uma pergunta surge. Qual a percepção do jovem batista sobre o futuro da denominação? As respostas não são uniformes, e vão desde a expectativa de dias melhores até previsões preocupantes.

Para Mônica Padilha, de 17 anos e do Pará, mesmo diante de novas doutrinas que surgem, ela acredita que no futuro “a igreja batista se manterá em seus princípios, como vem se mantendo nesses últimos anos, apesar de adaptar-se ao tempo que estamos. Desta forma a denominação continuará com os mesmos valores com os quais principiou”.

Previsão mais negativa tem o paraense Francisco José, de 23 anos: “Para ser sincero, o que tenho percebido não é muito agradável. Porém, se permanecer como está irá desaparecer. Todavia, devemos modificar as formas, porém não o conteúdo. Pois há mais costumes e tradições nas igrejas do que a Palavra de Deus. Há mais preocupação com costumes e tradições do que com o próximo”.

Já Rosangela, do Rio Grande do Sul, tem uma perspectiva mais equilibrada e afirma: “Acredito que o futuro da igreja batista seja ter uma mente cada vez mais aberta para poder aceitar e acompanhar tanto a evolução tecnológica como todas as possibilidades e situações que o ser humano, cristão e não cristão, possa vivenciar diariamente. O papel da igreja batista deverá ser interagir com todo o tipo de pessoas e ajudá-las, independente de quem for, conforme o próprio Cristo faria”.

E os líderes, o que pensam?

Diante este turbilhão de ideias e percepções qual tem sido a resposta dos líderes de jovens cristãos? Para o pastor de jovens da Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo (SP), Fabrício Cunha, a pesquisa do Bertelsmann Stifung acerta em cheio ao afirmar que a sociedade brasileira é alicerçada na religião: “A espiritualidade está na nossa gênese. Fomos formados a partir de uma mistura da religião católica da Península Ibérica, das religiões afro que vieram com os escravos e do protestantismo de imigração e de incursão. A sociedade brasileira é religiosa por inteiro e isso afeta diretamente o substrato dos jovens”.

No entanto, ele diz que no contexto atual a religião se tornou apenas uma das facetas da vida do jovem: “A questão é que a religião é um fator da fenomenologia social e não do cotidiano íntimo. É muito comum qualquer jovem dizer que é religioso, que acredita em Deus e que até frequenta algum ambiente religioso para expressar a sua fé. Entretanto, muitas vezes isto não tem desdobramentos no cotidiano. Numa cultura despartamentalizada, a religião é um dos departamentos naturais da vida do jovem brasileiro, exercendo pouca influência em sua ética e moral. É muito comum ouvirmos comentários como ‘religião é religião, vida é vida’ ou ‘não misture religião com isso’”.

Já o pastor Elthom Sá, que atua com a juventude da Primeira Igreja Batista em São Paulo, chama a atenção para o fato de que muitos jovens se relacionam com Deus não por entenderem que é o melhor para eles, mas como uma forma de resposta aos anseios dos pais: “Muitos jovens e adolescentes são religiosos porque os pais os obrigaram quando crianças. Então seguem tradições familiares, mas não sabem exatamente o que a Bíblia diz em relação ao comportamento e ao pecado. Outro motivo que faz com que sejam religiosos é o medo de Deus. Em muitos casos Deus é revelado como um ‘velho ranzinza’ que ao menor sinal de erro do ‘fiel’ mandará o pior castigo do mundo. Não têm a imagem de um Deus de amor e perdoador. Por isso muitos o seguem por medo de serem castigados ou amaldiçoados”.

Para o pastor Fabrício, para trabalhar em meio a este contexto a igreja deve tomar algumas atitudes: “A primeira é manter a sua pregação fiel aos princípios cristãos. Temos a tendência ao arrefecimento quando começamos a perder campo para a sociedade. Mas precisamos contextualizar todo nosso conteúdo de forma que seja apresentado como uma proposta de vida e não de segmento. A re-significação dos conceitos fundamentais da fé cristã é urgente. Lembrando que re-significar não é inventar um novo conceito, mas traduzir o mesmo conceito para esse tempo”.

Além disso, o pastor Elthom afirma que é necessário fazer com que o jovem entenda que a vida cristã é uma escolha particular e que deve ser vivida com alegria. “Não tem como ser salvo por meio da escolha dos pais. A escolha é de cada um. Não adianta vir a igreja para agradar aos pais. Isto não leva ninguém ao céu. Quando o jovem tem esta consciência fica mais fácil dele se envolver com as coisas da igreja e de Deus sem ser por obrigação. Em segundo lugar, é necessário mostrar para eles o Deus que a Bíblia nos ensina. Muitos pais, por não terem argumentos de dizer um não a algo que querem negar, colocam a ‘culpa’ em Deus. Dizem que não podem dançar porque Deus não gosta, e tantos outros exemplos. Se não querem que o filho faça algo, que assumam a responsabilidade de dizer o ‘não’. Assim fazendo, contribuem para que a imagem de Deus não seja distorcida. Penso que os jovens viriam por amor e não por culpa ou medo”, afirma.

Enfim, a percepção de todos é que a igreja deve se transformar, mas sem deixar de lado seus princípios, de forma que se torne um lugar que melhor acolhimento para os mais jovens.

“Caso não mudemos algumas formas de colocarmos os princípios bíblicos em prática podemos perder muitos jovens para as comunidades que vêm surgindo com um enfoque mais jovem e mais inclusivo. Precisamos entender o que é forma e o que é princípio na Bíblia. Sou batista desde que nasci e minha família é quase toda batista. Sou filho, neto, sobrinho, primo de pastores batistas. Amo ser batista, e o sou por princípios, os quais concordo e penso serem os mais coerentes biblicamente falando. Entretanto, as vezes confundimos o que são apenas ‘formas de se fazer’ e os transformamos em princípios e não queremos alterá-los. Sem negociar os princípios da Bíblia, precisamos encontrar uma maneira de os transmitir para as novas gerações. De outra forma, seremos apenas uma lembrança no futuro”, conclui o pastor  Elthom.

* Colaboraram Rakel Dhein, Raquel Zarnotti, Anderson Barbosa e Francisco Helder.

Matéria originalmente publicada na edição de 16 de agosto de O Jornal Batista (www.ojornalbatista.com.br).